setembro 26, 2007

O olhar do outro

Ser reconhecido. Admirado. Respeitado. E, porque não, amado. Somos, antes de tudo, sujeitos em relação. Sujeitos unidos a outros sujeitos. E a vida não é, senão, fruto desses encontros e desencontros. Até mesmo a imagem que temos de nós mesmos é constituída nessas interações. Assim, não faz sentido em estabelecer a divisão entre a subjetividade (a idéia do eu isolado); muito menos em acreditar em uma pura objetividade ( a idéia de que os objetos possuem autonomia e que não sofrem interferências do nosso modo de olhar e agir sobre eles). Aqui, o mais correto seria definir uma relação dialética: a intersujetividade. Uma relação que não separa mais sujeito e objeto ou sujeito de outros sujeitos. Somos fruto das experiências e das relações. O que não implica que estejamos sujeitados a elas, já que também interferimos nas coisas e nas pessoas. Trata-se de uma troca e não de uma imposição. Trata-se de um diálogo e não de um monólogo.
É por isso que “ o pedido de reconhecimento é necessariamente um combate; e visto que, para os homens, o reconhecimento é um valor superior a vida, trata-se de uma luta de vida ou morte (TODOROV, 1996,p.34).
Portanto, ser reconhecido pelo outro é mais do que uma vaidade é nosso sentido. È o que nos fundamenta como pessoa. Tanto que o romancista Milan Kundera diz que o olhar do outro é antes uma necessidade. “Todos nós temos a necessidade de sermos olhados”. E, essa necessidade adquire formas surpreendentes. Kundera chega a classificar 4 necessidades de olhares. São olhares diferentes em que queremos ser reconhecidos, demandas essas que se encaixam a diferentes pessoas. São eles:

1) O olhar do público – “o olhar de um número infinito de pessoas anônimas”
2) O olhar familiar – “são os incansáveis organizadores de coquetéis e jantares que sempre conseguem arrumar quem as olhe, mais felizes que a primeira categoria, que quando perdem seu público imaginam que a luz de suas vidas apagou-se”
3) O olhar do ser amado – “a situação dessas pessoas é tão perigosa quanto a daquelas da primeira categoria. Basta que os olhos do ser amado se fechem para se sentirem na escuridão”
4) Olhar imaginário dos ausentes – “a mais rara, a daqueles que vivem sob o olhar imaginários dos ausentes. São os sonhadores” (KUNDERA. p.271,272, 1985)

setembro 01, 2007

“Fazer de cada ação diária uma que, se pudéssemos, se repetiria eternamente”

Foto: Cristiano Mascaro

O “eterno retorno ético” de Nietzsche contra a “economia da salvação” de Marx e contra o “imperativo categórico” de Kant

A frase do título, dita pelo professor de Filosofia Oswlado Giacoia Júnior, dentro do ciclo de Conferência Mutações (30/08), resume a formulação nietzschiana sobre o “eterno retorno ético”. Trata-se da idéia de não mais responsabilizarmos ninguém por nossas ações, mas de assumir nossa própria vida, tomá-la nas mãos - sem os subterfúgios de crenças e valores morais socialmente dados. Assumí-la de tal forma, que poderíamos quere-la eternamente. Cada ato nosso seria desejado e feito com tal vontade, com tal querer, que desejaríamos sua repetição eterna. Essa é a grande responsabilidade para conosco: a de fazer de cada ato um que poderia ser eterno. Isso, para o professor de Giacoia “é mais importante do que qualquer imperativo categórico de Kant”. Imperativo, esse, que acreditava que cada ação nossa deveria ter um valor universal – o que, por fim, acaba por constituir uma ação moral e não ética - no sentido que a moral orienta-se por valores socialmente constituídos e a ética pela autodeterminação do sujeito. Nietzsche não é moral, diz-se até ser imoral (característica que, segundo ele, pertence aos espíritos livres). Imoral, para ele, no sentido de não se guiar por nenhuma crença, nenhum partido ou “valor superior” estabelecido pelo poder e pela sociedade. Trata-se de uma atitude de autodeterminação que nega qualquer “economia da salvação”, no sentido de uma crença em algo que nos conforta e proteje. Chama de "economia da salvação" um ideal que acredita em um “por vir”, uma promessa de salvação e de sentido para a vida em um futuro que nunca chega - o que não é apenas uma exclusividade da religião - mas, está presente na política e na economia. E é Marx o representante da cristalização desse ideal que é, ao contrário do que queria, um ideal alienante, no sentido em que faz crer que há uma ordem sistêmica e desigual (gerando um ódio maniqueísta e simplificador entre as diferenças e classes sociais) e promete algo para um "futuro revolucionário". Nietzsche, ao contrário tem uma postura existencial que renuncia a um consolo metafísico. Para ele, não resta outro plano de existência, além do plano da existência. E, isso, ao contrário de ser um fatalismo, é motivo de grande alegria e festa. Trata-se de perceber a beleza da vida, de tudo que nos cerca. Trata-se de tomar em suas mãos uma dimensão da finitude e da beleza insubordinada e trágica da existência. Sem medo e sem recuo. Não se seduzir nem pelo nojo e nem pela compaixão de si, do outro e da vida. Trata-se de assumir uma postura artística, pois só faz sentido viver se a vida for uma obra de arte em que, não poderíamos prescindir de uma só nota nessa sinfonia, mesmo a mais grave. E para finalizar o professor lembra uma bela frase do alemão que diz que os gregos descobriram a chave da vida, por serem “superficiais por profundidade”. E termina afirmando “ser superficial é muito sério, o resto é patifaria”. Genial!